O estudo do INE recentemente publicado em Portugal sobre a pobreza merece uma atenção especial dado que o tema é relevante sob o ponto de vista político e social.
Infelizmente, os resultados agora apresentados referem-se ao período de 1994-2005, portanto já ligeiramente distantes do último ano completo que seria o de 2007, mas foi feito de acordo com um normativo estabelecido pela União Europeia e igual para todos os 27 países membros na base de inquéritos directos às famílias, os quais não são muito fáceis de fazer porque muita gente sabe lá quanto ganhou ao longo de dez anos.
Tratou-se pois de fazer a análise apenas dos rendimentos monetários e sintetizá-los em dois indicadores: a taxa de pobreza e a intensidade de pobreza. O primeiro indicador dá-nos a percentagem de população que se encontra abaixo da linha de pobreza e o segundo dá a distância relativa que separa o rendimento dos pobres da linha de pobreza. Para além disso, há uma pequena radiografia da pobreza fornecida pela sua distribuição por grupos etários, empregados, desempregados, reformados ou outros inactivos, sem, contudo, especificar mais concretamente por profissões.
Os resultados foram apresentados simultaneamente para todos os 27 países da actual União Europeia. Acrescente-se que os valores monetários da pobreza são diferentes para cada país europeu, dado que a EU considera o limiar ou linha da pobreza como sendo o valor igual a 60% do rendimento mediano por adulto equivalente. A preços de 2005, a linha de pobreza monetária variou entre os 3609 euros anuais em 1994 (301 mensais) e os 4575 em 2005 (381 mensais).
Saliente-se, contudo, que ao contrário do que acontece na Europa do Norte, em Portugal registam-se importantes rendimentos não monetários que o INE cifra em 19,2% do recurso das famílias. O principal é, sem dúvida, a casa própria ou a casa alugada a preços muitos baixos por ser antiga ou habitação social. Em Portugal existem cerca de 6 milhões de habitações independentes com contador de electricidade doméstica, das quais 1,4 milhões estão em pagamento. Cerca de 85% dessas habitações são propriedade dos locatários e muitas das outras estão alugadas a preços inferiores aos normais de mercado. Para além disso, nas zonas do minifúndio existe uma vasta área de agricultura de subsistência com casa que não entra no rendimento monetário apesar de também originar algum por via de vendas de produtos agrícolas a vizinhos ou locais de transacção sem factura ou contabilização. Estes últimos rendimentos, já monetários, fazem parte da economia não revelada, também cifrada em uns 20% dos rendimentos médios das famílias, mas que não entra nos estudos sobre a pobreza por estar concentrada em poucas profissões como pequeno construtor civil, pessoal das obras, pequenos empresários de reparações e serviços, empregos domésticos e, naturalmente, médios e grandes empresários naquilo que foge ao fisco e “desaparece” nas centenas largas de “offshores” organizados pela banca em geral, incluindo a própria CGD que manteve durante muito tempo as contas anti-imposto de capitais do BNU como a conta Londres (antigamente isenta de impostos), conta Macau (ainda isenta) e outras. Muitos trabalhadores com baixos salários, mesmo mínimos, auferem de rendimentos não monetários sob a forma de subsídios de refeição. Os estudos recentes têm mostrado que a não consideração dos rendimentos não monetários (19,2%) traduz-se numa sobrestimação dos níveis de pobreza.
Considerando apenas os rendimentos monetários e não monetários legais, a linha de pobreza variou entre 4414 euros anuais em 1994 (368 mensais) e os 5794 em 2005 (483 mensais), o que faz com que a Taxa de Pobreza tenha descido dos 18,2% de pobres em 1994 para os 16,4% em 2005. Valores corrigidos da inflação, portanto, actualizados para 2005. Saliente-se aqui que os 16,4% de pobres não são da totalidade da população como propalou a imprensa ao afirmar que há mais de 1,6 milhões de pobres em Portugal. Os 16,4% de pobres são relativamente a adultos com mais de 17 anos, ou seja, aos 10,4 milhões de habitantes menos 1,56 milhões de crianças e jovens. Portanto, os adultos abaixo da linha de pobreza são 1,37 milhões de residentes acompanhados por crianças cujo número o INE não apurou, mas que é percentualmente inferior ao do resto da população porque quase 50% dos pobres são idosos com mais de 65 anos de idade, enquanto que essa faixa etária nacional ronda os 15%.
No cotejo com os outros países europeus pode dizer-se que as linhas de pobreza têm valores diferentes, mas geralmente a uma dada massa monetária corresponde um dado nível de preços. Os salários altos têm de ser pagos pelo consumidor. Por exemplo, o trabalhador chinês ganha em médio 50 cêntimos do dólar à hora, mas, naturalmente, consome produtos a preços estabelecidos com esse custo de mão-de-obra. Na exportação é que a concorrência é destrutiva de postos de trabalho, se bem que permita o abastecimento das classes mais pobres da Europa e América com produtos mais baratos.
Considerando a Taxa de Pobreza Monetária em 2005, Portugal situa-se no 18º lugar europeu com sete países com taxas inferiores e com cinco ligeiramente acima, mas se tivermos em consideração o Rendimento Total, portanto, os 16,4% de portugueses que vivem abaixo do limiar da pobreza, Portugal avança quatro lugares e fica acima das duas médias da EU 15 e EU 27 que rondam os 17% de pobres. Neste campo, os dois primeiros países são a Holanda e a República Checa, ambos com cerca de 10% da população abaixo da linha de pobreza, apesar de haver uma enorme diferencia salarial entre os dois países. O que se mede é, no fundo, a quantidade de pessoas que estão acima ou abaixo de uma linha diferente de país para país, mas que neste caso marca os desníveis de rendimentos no seio das populações.
Curiosamente, atrás de Portugal em termos de terem mais pessoas abaixo da linha de pobreza está o Reino Unido com quase 19% de pobres e a Espanha e a Itália, ambas com 20%, além da Grécia, Polónia, Eslováquia, Letónia e Lituânia com valores ainda mais altos.
Portugal progrediu nos dez anos do estudo, mas não se encontra propriamente bem e o aumento do salário mínimo é fundamental para reduzir a pobreza bem como a habitação social, o rendimento mínimo de inserção, o abono de família, etc. Saliente-se que o salário mínimo igual ao Indexante de Apoio Social é um valor determinante para o cálculo de todas as pensões de sector privado. Quanto maior for, mais elevadas serão as novas pensões de cada ano e todas, tantas as mais baixas como as médias e altas.
Na evolução da pobreza entre 1994 e 2005 relativamente à linha de pobreza dos 60% do rendimento mediano do adulto, verificamos que houve uma redução de pobres da ordem dos 11% nesse período e uma redução muito maior relativamente a linhas de pobrezas mais baixas ou de extrema miséria. Assim, no referido período, registaram-se menos 23% de pobres abaixo dos 35% de rendimento mediano com 1,9% dos pobres em 2005, menos 22% abaixo dos 40% com 5,2% de pobres, menos 21% abaixo dos 45% com 6,5%, menos 22% abaixo dos 50% com 9% e menos 17% abaixo dos 55%. Também podemos dizer que 11% da população ultrapassou a linha dos 60%, 8% a dos 65%, 6% a dos 70% e outros 6% a dos 80%. A miséria extrema traduzida em taxas de incidência teve uma redução significativa na década do estudo.
E quem são os mais pobres? Aí é que a radiografia estatística não é muito concludente, excepto nas faixas etárias, as quais dizem alguma coisa, mas pouco.
Em 1994, 33,1% dos pobres tinha mais de 65 anos; em 2005, essa percentagem desceu para 23,9%, revelando uma nítida melhoria nas pensões. Com os anos que passam, há mais pessoas com históricos de descontos para a Segurança Social mais longos e, como tal, a auferirem pensões mais elevadas.
Mas, a faixa etária com menos pobres é a dos 18 aos 64 anos, a dos mais activos, e que viu aumentada a sua incidência de 13,1% dos pobres em 1994 para 13,5% em 2005. No âmbito da capitação familiar, a pobreza infantil e juvenil (0-17 anos) passou dos 20,5% dos pobres para 19,1%, a traduzir um menor número de filhos nas famílias.
Na estatística familiar, os mais pobres são os adultos idosos a viver sem família que perfaziam 47,6% dos pobres em 1994 e estavam em 2005 nos 31,9%, graças a aumentos das pensões sociais e outros apoios. Os menos pobres são os agregados familiares constituídos por dois adultos não idosos que constituíam em 1994 apenas 8,2% dos pobres e passaram para 9,3% em 2005, o que a meu ver tem a ver com a “importação” de pobres oriundos dos países do Leste da Europa. Estes 9,3% representam 128.000 residentes.
Mas, enquanto a pobreza aumentou entre os agregados de dois adultos, diminuiu entre os de dois adultos mais uma criança e aumentou nos com duas crianças. No primeiro caso passou dos 11,7% de pobres para os 10,8% e no segundo variou entre os 19,7% em 1994 e os 21,5% em 2005, o que mostra como é difícil para as famílias portuguesas ter mais que uma criança.
Quanto à ocupação, os mais pobres são os desempregados que passaram de 24,6% em 1994 para 27% dos pobres em 2005, enquanto os reformados passaram de 31,5% para 21,3 no mesmo período e os empregados de 9,2% para 9,5%.
A classe pouco esclarecedora de outros inactivos passou de 21,1 para 16,6% de taxa de pobreza.
Conclusão: apesar da redução global da pobreza de 2% em Portugal muito há a fazer para perceber bem a pobreza e encontrar as políticas adequadas para a reduzir substancialmente. Numa sociedade socialmente democrática, nem deveria haver qualquer pessoa abaixo da linha de pobreza, mas a avaliar pelo melhor da Europa, os pobres deveriam estar abaixo dos 10% da população.
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