O texto de Manuel Caldeira Cabral publicado no jornal Negócios é interessante e elucidativo sobre o nosso sistema partidário.
Efectivamente, Caldeira Cabral tem razão quando escreve que os partidos cumprem muitas vezes o que prometem. Sucede que no espírito das pessoas e, principalmente, nas oposições espera-se que os resultados de qualquer acção governativa sejam imediatos ou quase instantâneos, o que, naturalmente, nunca pode acontecer e, além disso, que produzam a felicidade ou a perfeição e resolvam todos os problemas das pessoas ou da sociedade. Em todo o tipo de reformas e acções como na educação, saúde, reforma do Estado, energias renováveis, avanço tecnológico, investigação científica, nova oportunidades, etc., etc. os resultados vão aparecendo e só anos depois se sente o que foi alcançado.
Portugal sofreu grandes transformações nas últimas décadas e de tal modo que há quem considere não serem necessárias mais obras e mais reformas e isso é perigoso porque um novo governo pode chegar ao poder sem aspirações, sem vontade para continuar a trabalhar e sem trabalho andaremos todos para trás. Trabalhar, em termos políticos, é fazer coisas e nenhuma delas é a solução miraculosa para todos.
Portugal tem tido, sem dúvida, bons governos que fizeram muito e alguns empresários competentes, mas poucos. O governo actual continua a apostar no conhecimento a todos os níveis; dos jardins escolas ás universidades e às novas oportunidades para adultos. Há quem critique por haver licenciados desempregados, mas a economia não é suficiente dinâmica para absorver toda a gente porque falta sempre algo. Se há muitos psicólogos, sociólogos e cientistas políticas, não há serviços públicos e empresas para empregar todos esses licenciados. Nas engenharias e muitas ciências com excepção da biologia, a maioria dos licenciados encontra emprego. De qualquer modo, nada pode ser feito para um resultado imediato e, menos ainda, para criar o paraíso que, de resto, nunca foi prometido por partido algum. Apenas as oposições dizem que os governos prometeram o paraíso.
Texto de Manuel Caldeira Cabral:
Os partidos têm de apresentar propostas no caminho para o poder. Só assim se pode conhecer as suas intenções. Só comprometendo-se poderão romper a inércia dos interesses instalados e fazer mudanças. Só com propostas mobilizadoras poderão atrair novas pessoas para a arena política.
A ideia de que as promessas feitas em período eleitoral não são cumpridas é todos os dias repetida na televisão. A voz popular que é colocada na reportagem é sempre a que diz: "prometem, prometem… mas depois não cumprem nada". Mas será que isto é verdade? Que tal olhar para o passado recente?
A verdade é que, se olharmos para as propostas que Cavaco Silva fez há mais de 20 anos, quando se candidatou pela primeira vez a primeiro-ministro, é fácil encontrar pontos que ainda hoje estão por cumprir. Cá está o "prometem, prometem…"
Será justo dizer isso? Eu penso que não. O programa político apresentado então por Cavaco Silva colocava forte ênfase na construção de infra-estruturas, e a construção de auto-estradas avançou muito na altura. Colocava também ênfase no sector privado, e fizeram-se privatizações; salientava reformas que nos aproximassem do modelo europeu, e muito foi feito nesse sentido. A governação de Cavaco foi no sentido das propostas apresentadas.
O mesmo se pode dizer de Guterres. Propôs mais diálogo, a paixão pela educação, mais participação, mais apoios sociais, a regionalização e colocou mais meios no sistema de ensino, expandiu o ensino superior e o pré-primário, instituiu o rendimento mínimo garantido, abriu a possibilidade de haver referendos e fez um referendo sobre a regionalização. Guterres comprometeu-se também a manter o rumo para a entrada na moeda única, e o País entrou.
Por outro lado, Guterres não fez algumas reformas estruturais de que o País precisa. Mas não as fez, nem teve condições para as fazer, exactamente porque não as colocou como o centro do seu programa político. Ou seja, para o bem e para o mal, Guterres cumpriu o projecto político que apresentou.
O mesmo se pode dizer do actual governo. Colocou como bandeira o choque tecnológico, assumiu o compromisso de reequilíbrio orçamental, a vontade de fazer reformas na saúde, na educação e na administração pública. Penso que ninguém contesta que houve reformas importantes na administração, com um forte avanço dos serviços online, na desburocratização de importantes aspectos da relação entre cidadão e empresas e o estado, que houve um aumento do investimento, quer público, quer privado, na investigação científica, ou que se levou a cabo um importante programa de reformas na educação e saúde. Estas reformas são polémicas, fortemente apoiadas por alguns e contestadas por outros. Mas só foram realizadas porque havia o compromisso de as fazer.
Será que afinal os governos portugueses cumpriram as linhas principais do que tinham proposto em campanha? Isto, para muitas pessoas, é uma enorme surpresa. Mas a realidade sugere exactamente isso!
Deve então afirmar-se que, eventualmente, é apenas o proliferar de propostas e promessas nos programas que leva ao embaraço de haver casos de incumprimento. Será então que a frugalidade de propostas e compromissos é a solução? Perante uma opinião pública céptica, a frugalidade é, sem dúvida, um bom conselho. No entanto, não é uma receita que garanta nada.
Lembro que o governo recente que mais se afastou do prometido foi exactamente o que menos prometeu. Com uma campanha centrada na proposta de diminuição dos impostos para estimular a economia (o choque fiscal) e no equilíbrio das contas públicas (do País de tanga), o(s) governo(s) PSD-CDS não fizeram nem uma coisa nem outra, provando que prometer pouco não significa cumprir uma maior proporção.
É importante o compromisso com propostas. Sem estas, os partidos estariam a pedir um cheque em branco aos eleitores, sem se comprometerem jamais conseguirão vencer a inércia das corporações e da administração pública. Além disso, as ideias e bandeiras dos partidos vencedores ganham força na sociedade como objectivos e tornam-se exigências junto de quem governa. Por fim, se os partidos não atraírem pessoas com base em propostas e programas, só vão atrair pessoas com base em interesses, o que não é a melhor via para a necessária renovação da classe política.
A conclusão é simples. Esteja atento às propostas dos partidos em campanha, pois há uma grande probabilidade de que estas venham a ser cumpridas. Isso pode ser bom, ou mau, dependente do que acredita ser o melhor para o País. Mas é provavelmente o que vai acontecer.
Manuel Caldeira Cabral
Departamento de Economia, Universidade do Minho.
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