Jornal Socialista, Democrático e Independente dirigido por Dieter Dellinger, Diogo Sotto Maior e outros colaboradores.
Quarta-feira, 12 de Outubro de 2005
Derrota do PS - Porquê?
A análise da derrota do PS nas autárquicas, mesmo que baseada numa amostra aleatória de contactos pessoais, permite admitir que foi o descontentamento que grassa entre os funcionários públicos a principal causa dos resultados eleitorais negativos do PS.
Podem muitos políticos afirmar que nas autárquicas se vota em pessoas e não em partidos, mas a verdade é que eram os emblemas e siglas dos partidos que estavam nos boletins de voto à excepção de quatro casos excepcionais. E acredito que, salvo alguns casos, foi o voto partidário que prevaleceu.




Como já aqui foi dito muito antes das eleições, o voto no PS seria desfavorável nas zonas em que habitam grande número de funcionários públicos, nomeadamente em Lisboa, Porto e concelhos limítrofes.



O funcionalismo público viu os seus ordenados perderem poder de compra nos últimos dois anos e o Ministro das Finanças anunciou antes das eleições que os aumentos em 2006 seriam muito baixos ou quase nulos. Acrescente-se o aumento da idade da reforma para 65 anos gradualmente nos próximos dez anos, a retirado a alguns benefícios especiais a certos sectores como os das Forças Armadas, Policiais e Justiça. O congelamento da promoção automática nas carreiras também é um importante factor de descontentamento.



O próprio facto de o Governo querer acabar com professores com horário zero e mobilizar esses professores para darem aulas de acompanhamento, etc. descontentou todo o professorado.



Sendo o Universo dos Funcionários Públicos de 750 mil cidadãs e cidadãos mais uns 350 mil reformados e 180 mil cônjuges sobrevivos, além de familiares directos, podemos falar num Universo de mais de 1,5 milhões de pessoas, portanto, de uns 30 a 35% do eleitorado que vota efectivamente.



Claro, nem todos terão as mesmas ideias, nem sequer sobre a sua condição profissional. Muitos até compreendem que não há grandes alternativas, mas certamente que não serão a maioria. E os seus votos residenciais tanto foram para o PSD como para a CDU. Acredito mesmo que desta situação com a previsível vitória de Cavaco nas presidenciais, a CDU ainda vai tornar-se naquele partido eleitoral que nunca chegou a ser; se não maioritário, pelo menos com uma votação decisiva. Daqui a quatro anos estou a ver a CDU com mais de 30% do eleitorado.



O funcionalismo públicos é cada vez mais constituído por licenciados, pois muitos dos trabalhos ditos inferiores têm sido entregues a empresas de limpeza, segurança, transporte, manutenção, reparação, etc.



Por isso, era até agora ainda o Estado a grande possibilidade de emprego para jovens diplomados em sociologia, psicologia, economia, direito, biologia, agronomia, etc., etc. Um Estado de doutores e engenheiros, como no passado, nos Séculos XIX e XX.



Um Estado de doutores sustentado por uma economia de “pé descalço”, desculpem o eufemismo um pouco forte.



Mas, foi assim no passado. No Século XIX, por exemplo, a economia rural de pequena propriedade e alguns latifúndios associada a oficinas primitivas e uns poucos financeiros e uma indústria influente de moagem e tabacos, foi insuficiente para sustentar a aristocracia da Monarquia Absolutista, o baronato da Monarquia Liberal e os doutores da República. Hoje, uma economia mais evoluída, mas ainda de “pé descalço” e muito importadora quando comparada com a dos países europeus mais desenvolvidos é incapaz de proporcionar a sustentabilidade necessária a um Estado omnipresente e omnipotente de muitas dezenas de milhares de licenciados que se sentem mal pagos ao longo de quase toda a sua carreira profissional. Estado que se impôs a si mesmo a tarefa justa de garantir um nível de educação relativamente alto para todos, desde o pré-escolar à universidade, passando pelo secundário profissionalizante ou não, saúde, justiça e segurança, casas para os mais pobres, boas infraestruturas, etc., etc.



Essa falta de sustentabilidade levou à queda do Regimes dos Condes e Marqueses e depois dos Barões e ainda dos doutores. O próprio 25 de Abril teve a ver com o esgotamento financeiro do Estado que manteve 13 anos de guerra à custa do descalabro total das infraestruturas. Já nem se conseguia telefonar para o Porto nas horas de trabalho. A censura férrea da ditadura marcelista é que não permitia ter a consciência do descalabro financeiro do velhíssimo Estado dito Novo só sustentado pela avalanche de divisas enviadas pelos mais de dois milhões de portugueses que trocaram a economia nacional de “pé descalço” pela francesa, alemã, etc.



Hoje, os agentes da economia “pé descalço” não podem pagar mais impostos e os grandes bancos ou milionários não são suficientes.



O grande imposto que o Estado conseguiu impor à sociedade civil foi a nacionalização das principais empresas e a privatização, sem esquecer, contudo, que o Estado era o accionista principal das maiores empresas portuguesas, desde o Metro, CP, TAP às Hidroeléctricas, Celuloses, Cimentos, Siderurgia, Petrolíferas, Transportes Marítimos, Bancos, Seguros, etc. Ao longo dos anos da ditadura, o Estado pagou reformas de miséria e recebeu descontos avultados que foram colocados na economia “pé de descalço”, talvez para ver se andaria calçada.



Ainda recordo em criança quando o Governo proibiu em Lisboa as pessoas de andarem de pé descalço e eram as varinas, vendedores ambulantes e operários da construção civil, etc. E na costa, todos os pescadores andavam sempre descalços. Por isso é que utilizo esse eufemismo, pois até os banqueiros eram uma espécie de “pés descalços” em comparação com os gigantes das finanças mundiais e o Estado salazarista até teve de fundar o Banco de Fomento para emprestar dinheiro às pequenas fábricas “pé descalço” que viam os seus pedidos de crédito recusados pelos outros bancos. A carteira de participações do BF era enorme e recordo que até era sócio de uma miserável fábrica de sabão macaco ali para os lados de Sacavém.



As privatizações dos bens do Estado e de alguns capitalistas com os apoios de Bruxelas sustentaram o cavaquismo e o guterrismo, mas acabaram as privatizações e os subsídios da EU estão a chegar ao fim, a não ser que se arranjem umas obras importantes que interessem aos restantes parceiros europeus como o TGV e a Ota.



Portugal está naquela situação descrita por Oliveira Martins em que recorria aos empréstimos de Londres para financiar a construção dos caminhos-de-ferro, mas em troca tinha de liberalizar bastante as importações. Recordo que houve uma vez uma manifestação no Porto de marceneiros que foram deitar ao Rio Douro um carregamento de móveis vindos da Inglaterra. Qualquer dia faz-se o mesmo, ou pega-se fogo aos IKEA, AKI, Carrefour e quejandos.



Os funcionários públicos não são os culpados e a economia “pé descalço” também não o é de todo e não nasce outra por decreto, principalmente numa época global de recessão europeia que não deixará de contaminar as economias asiáticas, tal como dessas zonas está a vir a gripe das aves. Ainda hoje passei pela loja chinesa perto do meu local de trabalho e vi o chinoca à porta com um ar tristíssimo. Não deveria ter vendido hoje o quer que seja.



A economia portuguesa é ainda tão “pé descalço” que vejo os jovens saídos do nono ano ou do décimo segundo profissionalizantes sem possibilidades de emprego. Sabem mais que os patrões e estes não querem proporcionar a prática necessária para se tornarem excelentes profissionais. Quantos empresários conheço que só têm a quarta classe e desconhecem em absoluto o que é desenvolvimento. Apenas sabem importar aquilo que vizinho vende e pouco mais ou produzem com técnicas arcaicas a pagarem mão-de-obra barata relativamente aos 14 parceiros da ex-EU a 15, mas sem capacidade para exportar.



Enfim, para onde vamos, se nem uma jovem cabeleireira certificada profissionalmente encontra emprego ou um jovem com o décimo segundo ano de mecatrónica.



Uns dizem que falta pessoal qualificado e vejo as empresas recusarem. Muitos jovens formados profissionalmente no Instituto de Educação Profissional da Rua da Escola Araújo conseguem estagiar nalgumas empresas enquanto o Estado paga, mas depois não encontram emprego porque a empresa quer um novo estagiário à borla.



Enfim, resta-nos gastar o nosso dinheiro a produzir bons profissionais para emigrarem para os restantes países da Europa, o que tem acontecido, mas de uma forma moderada pois a Europa dos 15 conta com 20 milhões de desempregados. Só na Alemanha da VW, BMW, Mercedes, etc. há 5 milhões de trabalhadores sem trabalho.



Precisamos pois de inventar uma nova economia pós-moderna de equilíbrio que permita trabalho para todos sem crescimento. E no caso português trata-se antes de mais de “calçar” a economia portuguesa. O que é possível no prazo de alguns anos, já que estamos no barco europeu e para todos males há que encontrar um remédio que não seja o do passado, o das guerras europeias.




Dsotto



publicado por DD às 00:13
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De Vasco Cabral a 16 de Outubro de 2005 às 19:07
Uma vez mais comprovo, Dieter, a incomensurável distância que separa os teus textos, desde já no fórum, da mediania ignorante e amadorística de quase todos os que o frequentam e em que me incluo também. Feliz ocorrência a de que a tua voz possa fazer-se ouvir em espaços mais qualificados. É a tua atitude séria de cidadão atento e estudioso, que procura encontrar a visão integradora dos incontáveis factos que incessantemente pesquisas que confere a excelência e a maturidade que assinalam as observações que assinas e que, por infortúnio, não fazem escola numa população(ou numa amostra não aleatória e não representativa)que é a dos que compartilham o fórum contigo e que parece satisfeita com a visão fragmentária com que para aqui vieram... Que distância e que menoridade essa de não parar para meditar um simples instante e aprender.

Vasco


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