Publicado na Revista “Cadernos de Economia” Nr. 116 de Jun/Set. de 2016.
Economia Social – Visão Abrangente
Dieter Dellinger
Na definição de economia social há uma certa tendência, a nível europeu, de separar o social estatal do privado, incluindo apenas este último na chamada economia social.
Considerando economia social tudo o que visa a melhoria do bem-estar das populações e garantir a sua sobrevivência no nascimento como na velhice, na saúde como na doença, no trabalho como no desemprego, podemos afirmar que o principal setor económico em Portugal é o social baseado na solidariedade da contribuição individual obrigatória ou voluntária e no trabalho remunerado como gratuito.
Numa recente conferência sobre economia social organizada em Portugal foi dito que existem 55.300 entidades referenciadas com 260 mil trabalhadores a gerirem 3,8% do PIB. Na Alemanha, o setor de economia social privado gere 7,7% do PIB e abrange 4,4 milhões de trabalhadores. Isto porque centenas de caixas de crédito mútuo (verdadeiros bancos sem acionistas privados) estão presentes em todas as cidades e vilas e têm a seu cargo as economias da maioria da população.
Delimitar no concreto a economia social é abranger o mutualismo bancário, as muitas instituições de solidariedade social que visam principalmente o apoio às crianças e aos idosos sem serem um simples negócio para uma qualquer entidade patronal, sendo principalmente misericórdias, das quais temos a gigantesca Santa Casa que gere os jogos e que faz de todo o jogador do euromilhões, totoloto, etc. um ganhador na medida em que se não recebeu um prémio, ajudou os mais necessitados numa ação abrangente de apoio.
Para além disso, o cooperativismo que muitos idealistas gostariam de ver como substituto do próprio capitalismo, mas que nunca conseguiu ser por razões que têm a ver com o imenso progresso tecnológico associado à globalização que levou a uma corrida nunca vista na história pelo lucro e poder de menos de 1% da população mundial que domina toda a economia. Saliento que os Kolkozes soviéticos eram um cooperativismo de partido ou Estado e os Kibutzins israelitas tiveram um importante papel na história de Israel, mas desapareceram quase por completo. Na China ainda funcionam razoavelmente as cooperativas de aldeia que se encarregam cada vez mais da componente social dos habitantes, entregando as tarefas produtivas aos agricultores que as gerem de acordo com as condições mercantis. Mas a urbanização obrigou o governo chinês a introduzir o modelo de segurança social e de serviço nacional de saúde semelhante ao português.
Os 1% da população mundial que dominam a economia querem estar fora do social e, como tal, gostam da solidariedade entre os pobres com exceção das Fundações que criam quando as suas fortunas são incontáveis e os impostos também.
Recordo aqui Bismarck que inventou o Estado Social pago pelos trabalhadores, associando-o às salsichas feitas com ingredientes de pior qualidade. Dizia o político alemão: se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas, não respeitava umas e não comia as outras. Na verdade, ao criar um desconto salarial que serviu para proporcionar uma reforma a todos os trabalhadores, Bismarck inventou um “ovo de Colombo”, fazendo com que os próprios explorados paguem o social. Claro, a esperança de vida na idade da reforma era muito menor que a atual.
Por isso, não podemos separar a Segurança Social, o ADSE, o Serviço Nacional de Saúde e até a Escola Pública da Economia Social que no passado histórico nunca fizeram parte da “Coroa”, ou seja, do Estado. Não visam o lucro e são pagos pelos beneficiários. Trata-se de um mutualismo gigantesco que até podia ser separado do Estado com uma gestão eleita pelos contribuintes e beneficiários e, apenas, um controle estatal para evitar quaisquer desvios financeiros. Há algo do género na Suíça para uma parte da reforma, estando a cargo do Estado uma reforma básica igual para todos.
A economia social não se esgota na solidariedade e caridade porque pode abranger as associações desportivas não ligadas ao negócio do futebol e outros, associações culturais, recreativas, de bombeiros voluntários, enfim, tudo o que não vise a acumulação individualizada de capital, incluindo os grupos de pressão para proteger o futuro da Humanidade de um excesso de poluição e as organizações eclesiásticas que fazem caridade e lutam contra o aborto e a prostituição, apoiando as necessidades das pessoas que recorreram a esses meios.
Também podemos falar de algumas grandes multinacionais sociais, entre as quais estão as diversas organizações do tipo “Médicos sem Fronteira” e a gigantesca “Green Peace” com a sua frota de navios que tentam impedir a destruição dos oceanos e preservar o futuro da Humanidade neste pequeno oásis cósmico a que damos o nome de Terra. Para preservar os oceanos, um grupo de holandeses criou a organização “Ocean Cleanup” que se destina a limpar os mares e oceanos das milhares de toneladas de plásticos e outros detritos industriais que estão a matar os corais e a própria fauna piscícola. Outra organização denominada “Secore” especializou-se na defesa dos imensos bancos de corais, dos quais muitos apresentam apenas corais mortos. Conseguem produzir em tanques embriões de corais e coloca-los em base de cimento no fundo dos mares para crescerem e voltarem a formar os recifes coralíferos.
Enfim, apesar de estarmos a viver a mais fantástica revolução tecnológica e científica de sempre, acordamos todos os dias com a uma crise social maior que a do dia anterior. Recordo que nos últimos vinte anos assistimos à maior descoberta científica de sempre que foram os mais de 3.200 exoplanetas, dos quais uns 21 podem fazer parte dos raríssimos oásis cósmicos como a nossa Terra.
A política e a gestão não são capazes de resolver o problema do imenso desemprego, destruição das classes médias e aumento da pobreza. A economia social pode ter minorado a situação, mas há quem a queira totalmente de graça, destruindo a componente solidária organizada pelos estados, a única que funciona para quase todos os cidadãos.
Dieter Dellinger
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